6 de fevereiro de 2013


À noite não posso dormir: estou encharcado de azul. Vou a pé pela estrada fora sob o luar derretido (...)

Olho o vasto coliseu. Pedras, calhaus cobertos de líquenes, roxos como flores enormes, foram atiradas a esmo para todos os lados (...) Começa a ouvir-se a voz trágica do vento, que geme, adquire aqui dentro sonoridade que põe medo e grita, chama lá do alto como se fosse a voz da cratera pregando aos céus. Esta paisagem morta, esta cor de glicínia das pedras esparsas, o nevoeiro que azula e corre em vagas fantásticas sobre os musgões brancos, descendo ao lago sem uma ruga (...) Atrai-nos, e nunca mais o esquecemos, aquele olhar que parece humano e que vem do fundo dos fundos, dum subterrâneo parecido com o que trazemos connosco e não conseguimos arredar para longe...

Raúl Brandão, 1926